11/03/2025

FGV EMAp celebra mulheres que construíram legados na matemática aplicada

No Brasil e no mundo, nomes como Emmy Noether, Maryam Mirzakhani e Marília Chaves Peixoto devem ser reconhecidas como referências, inspirando novas gerações na matemática

Por séculos, mulheres brilhantes precisaram esconder-se sob pseudônimos masculinos ou adotar o sobrenome do marido para que suas conquistas intelectuais fossem, ao menos, conhecidas. Embora o cenário tenha evoluído, e a ideia de que os homens são naturalmente mais habilidosos para as ciências exatas tenha perdido força, as mulheres ainda enfrentam desafios significativos, especialmente no que diz respeito à representatividade.

As professoras da FGV EMAp se apoiam no legado deixado por pesquisadoras brilhantes e seguem inspirando novas gerações de mulheres | Foto: FGV EMAp

As professoras da FGV EMAp se apoiam no legado deixado por pesquisadoras brilhantes e seguem inspirando novas gerações de mulheres | Foto: FGV EMAp 

Dados da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) de 2022 mostram, por exemplo, que apenas 26% de todos os pesquisadores do mundo são mulheres. No Brasil, 60% das bolsas de iniciação científica pertencem ao público feminino, porém esse número cai drasticamente quando se avança para níveis mais altos da carreira acadêmica. Por isso, mais que celebrar o Mês Internacional da Mulher, a Escola de Matemática Aplicada da Fundação Getulio Vargas (FGV EMAp) busca destacar a contribuição fundamental das mulheres para a Matemática Aplicada. Nomes como Amalie Emmy Noether, Maryam Mirzakhani, Maria Laura Mouzinho Leite Lopes e Marília Chaves Peixoto, entre tantas pesquisadoras, deixaram um legado significativo. Além delas, as professoras Maria Izabel Tavares Camacho, Maria Soledad Aronna e Sonia Maria Duraes  seguem fortalecendo o protagonismo das mulheres na área. 

A FGV EMAp acredita que dar visibilidade a essas figuras é essencial pois o desconhecimento de referências femininas ainda afasta muitas mulheres de carreiras científicas.  

“Nós, mulheres, devemos permanecer firmes, confiantes e unidas para que possamos quebrar barreiras e construir um futuro mais justo e equitativo, onde o talento e a capacidade sejam reconhecidos independentemente de gênero”, destaca a docente Maria Soledad Aronna, da FGV EMAp.

Conheça algumas dessas talentosas mulheres (por ordem alfabética):

Amalie Emmy Noether (1882–1935) As pesquisas de Emmy Noether revolucionaram a álgebra abstrata e a física teórica | Foto: Reprodução Wikimedia Commons

As pesquisas de Emmy Noether revolucionaram a álgebra abstrata e a física teórica | Foto: Reprodução Wikimedia Commons

Filha do matemático Max Noether, Emmy, como era conhecida, nasceu na Alemanha e demonstrou precocemente proficiência em inglês e em francês. Apesar de ter conquistado uma vaga para ser professora em uma escola de línguas reservada a meninas, decidiu permanecer estudando na Universidade de Erlangen, onde seu pai era professor. Enfrentou inúmeras restrições por ser mulher, mas conseguiu se tornar doutora em Matemática, trabalhando por anos sem cargo formal ou remuneração. 

Em 1915, foi convidada para lecionar na Universidade de Göttingen, porém inicialmente sem salário, conquistando apenas em 1922 um cargo de professora associada com remuneração modesta. Suas pesquisas revolucionaram a álgebra abstrata e a física teórica. Em 1918, formulou o Teorema de Noether, que estabeleceu a conexão entre simetrias e leis de conservação, sendo essencial para a física de partículas e a relatividade. Em álgebra, seu artigo de 1921, A Teoria dos Ideais nos Anéis, consolidou a base para a álgebra moderna. Expulsa da Alemanha em 1933 pelo regime nazista, aceitou um cargo na Universidade Bryn Mawr, nos EUA, onde lecionou até sua morte prematura em 1935.   

Maria Izabel Tavares Camacho

A professora Maria Izabel publicou vários artigos em revistas de primeira linha  | Foto: FGV EMAp

A professora Maria Izabel publicou vários artigos em revistas de primeira linha  | Foto: FGV EMAp

Desde criança, Maria Izabel Tavares Camacho já se destacava na matemática. Resolver problemas era seu  passatempo favorito, e essa paixão a levou longe. Fez mestrado e doutorado no IMPA, onde defendeu sua tese em uma situação desafiadora: grávida de oito meses e com um filho de dois anos. Mesmo diante desse cenário, nunca deixou de produzir ciência. 

Durante anos, se dedicou à pesquisa em Sistemas Dinâmicos, publicando artigos em revistas de alto impacto e contribuindo para o avanço da área. Seus trabalhos na análise qualitativa de Sistemas Dinâmicos definidos por Equações Diferenciais Homogêneas tiveram grande repercussão e continuam sendo amplamente referenciados. Em determinado momento da carreira, decidiu se dedicar integralmente ao ensino, algo que considera uma das atividades mais gratificantes e dignas. Hoje, na FGV EMAp, está exatamente onde quer estar: compartilhando conhecimento e inspirando novas gerações de matemáticos e matemáticas.

Maria Soledad Aronna

A professora Maria Soledad foi uma das idealizadoras da Cátedra Marília Chaves Peixoto, que fomenta a presença de mulheres na pós-graduação em matemática | Foto: FGV EMAp

A professora Maria Soledad foi uma das idealizadoras da Cátedra Marília Chaves Peixoto, que fomenta a presença de mulheres na pós-graduação em matemática | Foto: FGV EMAp

Desde adolescente, quando participava das Olimpíadas de Matemática, Maria Soledad Aronna já sabia que queria seguir essa carreira. Formada na Universidad Nacional de Rosario, na Argentina, seguiu para o doutorado em Matemática Aplicada na École Polytechnique, na França. Depois, passou por diferentes instituições europeias e pelo IMPA como pós-doutoranda, até ser aprovada no processo seletivo da FGV EMAp.

Aqui ela diz que encontrou um ambiente propício para desenvolver sua pesquisa, que hoje se concentra em Controle Ótimo e Modelagem Matemática, com aplicações em epidemiologia e controle biológico de pragas – incluindo doenças transmitidas por vetores, como dengue e malária, e estratégias para o manejo da broca da cana, um dos principais desafios da produção de açúcar no Brasil. 

As pesquisas da professora, e de seu grupo, foram especialmente importantes durante a pandemia de Covid-19, quando desenvolveram um modelo epidemiológico que considerava isolamento e quarentena.  Posteriormente, o estudo foi expandido para estimar a taxa de casos não reportados no Estado do Rio de Janeiro e analisar estratégias de vacinação em cidades interconectadas.

Marie-Sophie Germain (1776-1831)

Sophie Germain aos 14 anos por Auguste Eugene Leray | Imagem: Wikipedia

Sophie Germain aos 14 anos por Auguste Eugene Leray | Imagem: Wikipedia

Vivendo à época da Revolução Francesa, a matemática, por ser mulher, não pôde usufruir dos conceitos de liberdade e precisou assumir a identidade de um homem para receber as anotações das aulas ministradas na recém inaugurada École Polytechnique. Usando o pseudônimo Monsieur Le Blanc, manteve correspondência com grandes matemáticos da época, como Carl Friedrich Gauss. Autodidata, ela fez contribuições fundamentais à teoria dos números e à teoria da elasticidade, ramo que foi pioneira.

Marília Chaves Peixoto (1921–1961)

Marília foi a primeira a ser eleita, em 1951, para a Academia Brasileira de Ciência (ABC) | Imagem: Reprodução Wikipedia

Marília foi a primeira a ser eleita, em 1951, para a Academia Brasileira de Ciência (ABC) | Imagem: Reprodução Wikipedia

Gaúcha de Santana do Livramento (RS), foi a primeira mulher a obter o título de doutora em Matemática no Brasil. Marília se formou em Engenharia e Matemática pela Escola Nacional de Engenharia da Universidade do Brasil (atual UFRJ) em 1943. Apenas cinco anos depois, em 1948, conquistou o doutorado em Ciências e foi aprovada como livre-docente na mesma instituição, um feito impressionante para a época. 

Com pesquisas inovadoras na área de Sistemas Dinâmicos, ela se tornou, em 1951, a primeira matemática brasileira a integrar a Academia Brasileira de Ciências (ABC). Ao lado de seu marido, Maurício Peixoto, publicou artigos de grande importância, como “On the inequalities y'³ G(x,y,y’,y”)” (1949) e “Structural stability in the plane with enlarged boundary conditions” (1959), ambos nos Anais da ABC. Ela faleceu precocemente, em 1961 e seu nome é homenageado na Cátedra Marília Chaves Peixoto, oferecida pela FGV EMAp, incentivando a presença de mulheres na matemática.

Maryam Mirzakhani (1977-2017)

O Dia da Mulher na Matemática é comemorado em 12 de maio em razão da data de nascimento de Maryam Mirzakhani | Foto: Reprodução - Facebook Maryam Mirzakhani

O Dia da Mulher na Matemática é comemorado em 12 de maio em razão da data de nascimento de Maryam Mirzakhani | Foto: Reprodução - Facebook Maryam Mirzakhani

Iraniana de nascimento, foi uma das mais brilhantes matemáticas de sua geração, a primeira a receber a Medalha Fields. Esse reconhecimento, considerado o prêmio Nobel da matemática, ocorreu em 2014 por "suas excepcionais contribuições à dinâmica e à geometria de superfícies de Riemann e seus espaços de moduli". Maryam se graduou em Matemática pela Universidade Sharif de Tecnologia, em Teerã, em 1999, e logo depois seguiu para os Estados Unidos, onde fez doutorado na Universidade de Harvard. 

Entre 2004 e 2008, trabalhou no Clay Mathematics Institute e lecionou na Universidade de Princeton, até se tornar professora na Universidade de Stanford, em 2008.  Na época da premiação, a pesquisadora já enfrentava uma batalha contra o câncer, doença que infelizmente a vitimizou em 2017, afirmou: “Ficarei feliz se isso encorajar jovens cientistas e matemáticas. Tenho certeza de que haverá muito mais mulheres ganhando esse tipo de prêmio nos próximos anos”.

Sofia Kovalevskaya (1850–1891)

O trabalho mais conhecido de Sofia está relacionado às equações diferenciais parciais | Imagem: Reprodução Arquivo Hulton

O trabalho mais conhecido de Sofia está relacionado às equações diferenciais parciais | Imagem: Reprodução Arquivo Hulton

Nascida em Moscou, na Rússia, foi a primeira mulher a obter um doutorado em matemática na Europa. Desde jovem, enfrentou restrições por seu gênero, mas conseguiu estudar na Universidade de Heidelberg e depois em Berlim. Em 1874, obteve seu doutorado pela Universidade de Göttingen. Apesar de suas credenciais excepcionais, teve dificuldades para ingressar no meio acadêmico russo e passou anos afastada da pesquisa. 

Apenas em 1884, conquistou uma posição na Universidade de Estocolmo. Seus estudos avançaram principalmente nas áreas de equações diferenciais parciais, mecânica e física matemática. Seu teorema sobre equações diferenciais parciais, conhecido como Teorema de Cauchy-Kovalevskaya, foi uma de suas principais contribuições. Além disso, realizou pesquisas sobre a forma dos anéis de Saturno, a refração da luz em meios cristalinos e potenciais gravitacionais, sendo essa última sua última publicação antes de sua morte. Paralelamente à sua produção matemática, Sofia também se dedicou à literatura, escrevendo romances e textos sobre sua infância e juventude. Ela faleceu prematuramente em 1891, aos 41 anos.

O futuro da matemática é diverso

Garantir que mais mulheres ocupem esse espaço não é apenas uma questão de equidade, mas de fortalecimento da pesquisa e da inovação. A FGV EMAp reafirma seu compromisso em valorizar o legado feminino na Matemática Aplicada e em inspirar novas gerações a seguirem essa trajetória. 

“Vejo com otimismo que a sociedade tem voltado mais atenção para essa questão e, aos poucos, superado preconceitos que historicamente inibiram uma maior participação feminina na produção científica da área”, afirma a professora Maria Izabel Camacho.

Fontes: 

Livro: A história de Hipátia e muitas outras matemáticas

Relatório Unesco: Uma equação desequilibrada: aumentar a participação de mulheres na STEM na LAC 

Marília Chaves Peixoto – ABC

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