Pesquisadores de reconhecida liderança em suas áreas, apoiados nos programas “Cientista e Jovem Cientista do Nosso Estado”, da FAPERJ, apresentam os conceitos por trás das pesquisas que desenvolvem
Como a matemática ajuda a precificar ações na bolsa de valores? O que ela tem a ver com campanhas de vacinação durante uma pandemia, ou com a forma como os computadores interpretam letras, sons e imagens? Para mostrar que a matemática está por trás de decisões que impactam a vida cotidiana, pesquisadores da Escola de Matemática Aplicada da Fundação Getulio Vargas (FGV EMAp) gravaram uma série de vídeos em que explicam conceitos matemáticos utilizados nas pesquisas que desenvolvem com o apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ).
As bolsas, concedidas pela FAPERJ nas modalidades Cientistas e Jovens Cientistas do Nosso Estado, apoiam projetos de pesquisa coordenados por cientistas vinculados a instituições fluminenses. Confira, a seguir, um resumo das apresentações:
A matemática no mercado financeiro
No vídeo, o pesquisador Yuri Saporito apresenta um panorama de como a matemática está presente em praticamente todos os aspectos do mercado financeiro, ajudando a formalizá-lo e aumentando sua potência.
Durante a apresentação, o pesquisador da FGV EMAp mostra como otimização, estatística, probabilidade, processos estocásticos e equações diferenciais são utilizadas para resolver problemas como a precificação de ativos, o funcionamento de algoritmos de investimentos automáticos e a estruturação de carteiras de ações. Um dos destaques da aula é a explicação detalhada da modelagem da taxa de juros, a partir de um conceito simples: as pessoas preferem consumir hoje a consumir no futuro. Essa preferência leva à criação dos juros como forma de compensação. O pesquisador explora como os juros compostos funcionam, e avança até a ideia de juros compostos contínuos.
A Bolsa de Valores também é tema central da apresentação, especialmente quando Saporito explica os dois tipos de ordens mais comuns: ordem limitada e ordem a mercado.
A modelagem dos preços das ações e o estudo de seus retornos introduzem o espectador à Teoria Moderna de Portfólios (MPT), desenvolvida por Harry Markowitz. A gravação mostra, de maneira didática, como calcular o risco e o retorno esperados de um portfólio com dois ativos, levando em consideração variância, covariância e correlação.
Para explicar conceitos mais avançados, como a precificação de derivativos, Saporito recorre a um exemplo lúdico: uma roleta de cassino. Ele compara um derivativo a um bilhete cujo valor depende do resultado da roleta. O "preço justo" desse bilhete é determinado por um princípio fundamental em finanças: o da não arbitragem — ou seja, o preço deve ser igual ao custo de montar uma carteira que replique exatamente o pagamento prometido pelo bilhete.
O pesquisador Yuri Saporito fez uma analogia com uma roleta para explicar o conceito de precificação de derivativos | Foto: Reprodução
Decisões em tempos de crise: confinamento, vacina e rastreamento
O pesquisador Claudio Struchiner mostra como modelos matemáticos são aliados poderosos na hora de definir políticas públicas, prever cenários e medir os efeitos de ações como o confinamento, a vacinação e o rastreamento de contatos.
O vídeo começa com ele explicando como surgem os surtos epidêmicos: um novo agente patogênico (como um vírus) entra em contato com uma população suscetível, e a partir daí o contágio se espalha. Diversos fatores influenciam esse processo, desde a origem do patógeno e seu modo de transmissão até o comportamento das pessoas, as condições climáticas e a resposta imunológica dos indivíduos.
Um conceito central é o número de reprodução da doença (R₀), que representa o número médio de novas infecções causadas por uma única pessoa doente. Quanto maior esse número, maior o potencial de propagação da doença. Esse valor depende de variáveis como o tempo de infecção, a eficiência de transmissão e a suscetibilidade da população. Entretanto, explica Struchiner, nem toda epidemia segue um padrão simples. A Covid-19, por exemplo, apresentou uma dinâmica complexa, com padrões sazonais e ondas sucessivas, exigindo modelos matemáticos capazes de lidar com diferentes cenários ao longo do tempo.
Por outro lado, o pesquisador da FGV EMAp afirma que a análise sobre como as vacinas devem ser aplicadas na população segue um modelo mais detalhado já que elas atuam de formas distintas: algumas bloqueiam a infecção, outras reduzem a transmissão ou apenas impedem sintomas graves.
O docente da Escola também conta como a matemática é utilizada para avaliar o custo/benefício de intervenções, no caso de uma epidemia, ajudando a equilibrar os efeitos de um possível distanciamento social.
Gráfico apresentado na aula do professor Claudio Struchiner mostra como o modelo SIR descreve a evolução de uma epidemia ao longo do tempo, dividindo a população entre suscetíveis (S), infectados (I) e recuperados (R) | Foto: Reprodução
A matemática por trás das epidemias
A pesquisadora Maria Soledad Aronna parte de um caso verídico, ocorrido em Londres, no ano de 1854, para explicar como a matemática se tornou uma ferramenta essencial para entender, prever e controlar epidemias. Nessa época, havia um surto de cólera na capital britânica e o médico John Snow, com um mapa e o auxílio de diagramas de Voronoi, conseguiu demonstrar como a doença se propagava: os casos se concentravam ao redor do poço da Broad Street, indicando que a cólera era transmitida pela água.
A pesquisadora também relembra o trabalho do médico britânico Ronald Ross, que no início do século XX demonstrou matematicamente como o controle da população de mosquitos poderia reduzir a incidência da malária.
“Ross foi um dos primeiros a utilizar modelos compartimentais para descrever a interação entre hospedeiros humanos e vetores e, por essa contribuição, recebeu o Prêmio Nobel de Medicina”, afirma Aronna.
A partir dessas histórias, a professora introduz o conceito de modelo matemático: uma representação simplificada da realidade, capaz de analisar cenários, testar hipóteses e simular ações de intervenção. De acordo com a pesquisadora, um dos modelos mais conhecidos e utilizados em epidemiologia é o SIR, que divide a população em três grupos — Suscetíveis, Infectados e Recuperados — e descreve a dinâmica de uma doença a partir de dois parâmetros centrais: a taxa de transmissão e a taxa de recuperação.
“Com esse tipo de modelo, é possível estimar quantas pessoas podem adoecer, calcular o pico da epidemia, planejar o uso de leitos hospitalares e até avaliar o impacto de políticas públicas como o fechamento de escolas ou o uso de inseticidas”, explica Aronna.
Durante a apresentação, Aronna destaca como modelos matemáticos continuam sendo cruciais para orientar decisões em contextos de crise sanitária. Eles ajudam, por exemplo, a avaliar o risco de surtos, simular estratégias de vacinação (por idade, região ou grupos prioritários), calcular a disseminação espacial das doenças e comparar diferentes medidas de controle — do isolamento ao controle biológico, passando por ações como a quarentena ou o uso de vacinas.
“Mais do que equações, esses modelos representam decisões que salvam vidas”, resume a professora.
O padrão revelado ajudou a comprovar que a doença era transmitida pela água, e não pelo ar — um marco na história da epidemiologia e da aplicação da matemática à saúde pública | Foto: Reprodução
A Ciência da Computação é para todos
Em sua apresentação, o pesquisador Jorge Poco busca apresentar o universo da Ciência da Computação como uma área que vai muito além de saber usar computadores, servindo para projetar programas, softwares e, principalmente, resolver problemas do mundo real.
“As aplicações são vastas: vão da Inteligência Artificial à Ciência de Dados, da Segurança Cibernética aos videogames”, afirma o professor da FGV EMAp. Segundo ele, a computação é uma ciência acessível e transformadora, baseada em uma compreensão profunda de como os computadores processam e representam informações.
Dessa forma, Poco busca explicar a forma como nós nos comunicamos com os computadores e como eles interpretam — números, letras, imagens ou sons através de sequências de apenas dois dígitos: o sistema binário. A partir de exemplos como a conversão do número decimal 123 para binário, o professor mostra como o sistema se baseia em potências de 2.
Por outro lado, para que os computadores possam lidar com texto (letras, pontuação, símbolos e emojis) são usados sistemas de codificação como o ASCII, que atribui um número a cada caractere (por exemplo, a letra "A" equivale ao número 65). Esses números, por sua vez, são convertidos em binário. O pesquisador explica que o ASCII tem limitações para representar caracteres de diferentes línguas ou elementos gráficos mais complexos, e por isso o sistema Unicode foi criado, sendo capaz de abranger milhares de símbolos de diversas culturas e idiomas.
Os vídeos, por sua vez, utilizam o sistema RGB (Red, Green, Blue), onde cada cor exibida na tela é formada por uma combinação de três valores numéricos que indicam a intensidade de vermelho, verde e azul em cada ponto da imagem. Dessa forma, uma imagem digital pode ser compreendida como uma tabela de pixels, em que cada célula carrega uma trinca de números.
Outro conteúdo da aula se refere ao conceito de algoritmos, que segundo o pesquisador, são usados para tudo: organizar dados, realizar cálculos, reconhecer padrões e tomar decisões. O pesquisador explica que os algoritmos são uma sequência de instruções bem definidas para resolver um problema. Para explicar essa ideia, ele recorre à metáfora de uma receita de bolo — que, assim como um algoritmo, exige seguir passos claros em uma ordem específica.
O docente também exemplifica através da busca em uma lista telefônica, em que a pesquisa pode ser feita de maneira linear,mais simples, mas menos eficiente, e a pesquisa binária mais complexa, mas significativamente mais rápida, enfatizando a importância da eficiência do algoritmo e seu impacto no tempo necessário para resolver problemas, especialmente à medida que o tamanho do problema cresce.
Inteligência artificial, ciência de dados, segurança cibernética e jogos são áreas de interesse na Ciência da Computação | Foto: Reprodução
Uma aplicação matemática em contração de imagens
O pesquisador Roger Behling nos convida a explorar o Teorema do Ponto Fixo de Banach, que costuma ser ensinado nos anos finais do curso de Matemática. Porém, Behling utiliza um exemplo simples para apresentar ao público: o que acontece quando colocamos uma imagem reduzida sobre ela mesma?
De acordo com Behling, o Teorema de Banach propõe que um ponto permanece no mesmo lugar mesmo após a aplicação da transformação. Para tornar esse conceito abstrato mas facilmente compreensível, o pesquisador explica que se você tirar uma foto e criar uma versão reduzida dela, que não precisa necessariamente ser dimensionada proporcionalmente, e depois colocar essa foto reduzida em cima da foto original, haverá um ponto comum entre as duas.
A partir dessa ideia, o pesquisador explica como a transformação pode ser descrita matematicamente por funções lineares em um plano cartesiano. E o ponto fixo pode ser encontrado de forma algorítmica, repetindo a transformação sucessivamente até que a imagem "pare" em um único ponto.
Ao final da apresentação, o pesquisador ressalta que essa experiência visual ajuda a tornar acessível um resultado matemático profundo. “Mesmo que a transformação não seja perfeitamente proporcional, o ponto fixo estará lá, escondido entre as camadas da imagem — e a matemática garante sua existência”, afirma.
O pesquisador Roger Behling ilustra o Teorema do Ponto Fixo de Banach com imagens sobrepostas | Foto: Reprodução
Inteligência artificial: como os computadores aprendem
O pesquisador Alberto Paccanaro nos conduz por uma aula sobre a inteligência artificial (IA), uma área que é estudada desde a década de 1960.
De acordo com o pesquisador, as primeiras abordagens em IA eram centradas no raciocínio lógico: máquinas que aplicavam regras “se-então” para simular especialistas em áreas como medicina ou diagnóstico técnico. Com o tempo, percebeu-se que essa estratégia era limitada, especialmente para tarefas que os humanos fazem de forma intuitiva, como reconhecer rostos, entender vozes ou distinguir números manuscritos. Foi nesse momento, segundo Paccanaro, que a IA se voltou para o cérebro humano, dando origem às redes neurais artificiais. O aprendizado de máquina se dá então quando as conexões são otimizadas com base em exemplos: o sistema recebe uma entrada, compara com a saída esperada e ajusta os pesos para errar menos da próxima vez. Esse processo é conhecido como aprendizado supervisionado.
“A matemática é o alicerce que nos permite descrever, treinar e melhorar esses modelos, enquanto a ciência da computação nos fornece as ferramentas para implementá-los e colocá-los em ação”, destaca o pesquisador.
Durante a aula, Paccanaro relembra o filme WarGames (1983) como uma representação ficcional de um computador que “aprende” por conta própria. O professor da FGV EMAp também demonstra como a IA é aplicada atualmente, em carros autônomos, em sistemas de tradução automática, robôs que jogam futebol e assistentes virtuais.
Compartilhando sua própria trajetória como pesquisador, Paccanaro esclarece que o aprendizado de máquina vem sendo usado para resolver problemas complexos em biologia, medicina e farmacologia, desde a descoberta de novos medicamentos até a compreensão de redes genéticas.
Para o docente da Escola, há um futuro promissor para quem deseja trabalhar com IA, porém, ele ressalta que os avanços da área trazem questões éticas importantes. “Isso inclui preocupações sobre vieses nos dados que levam a resultados tendenciosos de sistemas de IA”, destaca Paccanaro.
Slide apresentado pelo professor Alberto Paccanaro ilustra o conceito de "Capacidade de aprender" em redes neurais artificiais, destacando a inspiração no funcionamento dos neurônios biológicos | Foto: Reprodução